sexta-feira, 10 de julho de 2009

Decisão do STF divide opinião de jornalistas

por Felipe Severo

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal em não considerar obrigatória a exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão vem causando divergência de opiniões entre profissionais formados e não-formados. Por pensar que o jornalismo não é uma ciência e tampouco se precisa de conhecimento específico, o presidente do STF, Gilmar Mendes, disse que a obrigação do diploma para exercer o jornalismo é uma privação à liberdade de expressão. Mendes comparou a profissão de jornalista à de cozinheiro, afirmando que não se precisa ser formado para trabalhar, mostrando seu desconhecimento sobre as escolas superiores de culinária espalhadas pelo mundo inteiro. Por sete votos a um, ficou decidido que a partir do dia 17 de junho de 2009 não existe mais a obrigatoriedade do diploma para ser jornalista.

Jornalistas e veículos de todo Brasil se manifestaram a respeito. Contra ou em favor do diploma, ambos os lados possuem suas defesas na ponta da língua. O Jornal Nacional da TV Globo - telejornal de maior audiência da televisão brasileira - divulgou através de seu âncora, William Bonner, que mesmo com a decisão do STF, só irá contratar profissionais diplomados. Já William Waack, do Jornal da Globo, declarou que não é necessário diploma para se fazer o jornalismo.

Entre as entidades mais militantes em favor do diploma estão os Sindicatos Estaduais de Jornalistas e a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) que divulgou nota de repúdio à decisão. Segundo pesquisa encomendada pela União dos Jornalistas Diplomados, 74,3% da sociedade brasileira é favorável ao diploma.

Entre os que são contra a obrigatoriedade estão a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e o Sertesp (Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo). Este último, responsável juntamente com o MPF (Ministério Público Federal) por interpor o Recurso Extraordinário (RE) contra o acórdão do TRF (Tribunal Regional Federal) que afirmava a necessidade do diploma.

Cartunista da Zero Hora é contra a decisão

O jornalista e cartunista Carlos Henrique Iotti, 45 anos, considera a decisão completamente lamentável. “Esses juízes parecem que não tem mais nada o que fazer a não ser proteger banqueiros, notadamente seu Gilmar Mendes”, disse em tom de revolta. “Eu que estudei jornalismo (...) me sinto lesado e acho uma decisão equivocada, porque o jornalista requer preparação, estudo, embasamento, ética, e isso se adquire nos bancos da faculdade de jornalismo. Não é qualquer coisa se tornar jornalista”, complementou. Iotti, que também é humorista, brincou: “(...) doravante eu passarei a clinicar, porque se não exigem mais diploma pra jornalista, a partir de agora eu sou clínico geral ou advogado, porque se não precisa diploma pra jornalista, para os outros também não precisa”.

Sobre a comparação entre jornalista e cozinheiro feita pelo ministro, finalizou: “Com todo respeito ao cozinheiro, ao juiz, ao meritíssimo, se não precisa (diploma) pra jornalista também não precisa pra juiz, porque o senso de equilíbrio, honestidade, também deve ser inerente ao ser humano, então não se precisa mais estudar em bancos (da faculdade) pra se tornar juiz”.

Repórter da RBS Uruguaiana ponderou a decisão

O jornalista Tiago Guedes, 28, repórter da sucursal da RBS em Uruguaiana, fez uma comparação como se a decisão fosse para os advogados. “A justiça não permite que alguém que não seja formado em Direito possa se defender sozinho na justiça, por exemplo. E a Constituição diz que todo mundo tem direito à defesa”, afirmou. Disse ainda que isso é pressão das empresas, sabendo ele dos autores do RE. “Se a pessoa não tem diploma, as empresas não precisam pagar o piso. A academia faz com que as pessoas aliem o dom e a técnica”, finalizou.

Radialista de São Borja vê o diploma como um pedaço de papel

O radialista e ex-acadêmico do curso de jornalismo Eduardo Aquino Martinez é um crítico ferrenho aos defensores do diploma. Martinez considera o diploma como um pedaço de papel e a academia como uma opção democrática, optando pelo autodidatismo, ou seja, o jornalismo como vocação. Afirmou que qualquer um pode se tornar jornalista exercendo a prática: “A partir de agora qualquer um pode optar por ser jornalista formado em uma universidade ou autodidata, adquirindo experiência na prática”. Citou uma lista de países onde o diploma para exercer o jornalismo não é obrigatório. Todos eles, estados democráticos por excelência, com exceção da China. Sobre a declaração do ministro, Martinez não vê demérito na comparação, fazendo o trocadilho dizendo que o jornalismo “alimenta” a democracia. Encerrou citando uma frase de Claude-Jean Bertrand, professor da Universidade de Paris II: “(...) Para manter seu prestígio, e sua independência, a mídia precisa compenetrar-se de sua responsabilidade primordial: servir bem à população", e acrescentou; “(...) e não servir bem a grupos de interesses acadêmicos ou não”.