quinta-feira, 1 de julho de 2010

Culto à balança

Por: Andressa Schneider


“Talvez você, para não ter o trabalho de dietas e preocupações, tenha resolvido que não é gorda – é apenas gordinha.
Desculpe, mas é mesmo? Quantos passos além de “gordinha” você já deu? Cada pessoa tem seu próprio tipo. Mas ser gorda não é tipo; é talvez o tipo engordado. E isso não ajuda a ser sedutora.
Será que você não tem nenhum motivo para querer adelgaçar-se? Quero dizer com isso o seguinte: será que não há nada tão precioso para você obter e que a incentive o bastante a ponto de você considerar bem empregado o esforço de afinar-se?
Está bem, suponhamos que você é apenas gordinha. O que não tem mal. No entanto, há o perigo de você ser “ainda gordinha” – o que significa um futuro progressivo rumo ao “gorda”.
Cuidado, pois, enquanto ainda é muito simples tomar cuidado. “Gordota” já não é tão bom como “gordinha”. E “gorda” já piora o engraçadinho de “gordota”.
Clarice Lispector – Só para mulheres

No dia 3 de março deste ano, o estilista Mark Fast causou “furdunço” na semana de moda em Londres – algumas peças de sua nova coleção foram exibidas pela modelo Hayley Morlev, tamanho 48. Consideravelmente maior que as outras modelos, tamanho 32 ou 34. O jargão utilizado no ramo é “modelo pluz size”.

No mesmo dia, a ilustradora e blogueira Garance Dorè fez um comentário em seu blog: “Não deveria ser tanta comoção mostrar mulheres com corpos diferentes, mas às vezes isso é tratado como piada, ou é feito para chocar, como as modelos plus-size extra na passarela da Semana de Moda de Londres. Não é sempre uma coisa boa mostrar modelos plus-size porque não é fisicamente saudável e nem sempre favorece a moda. Seria legal a idéia de corpos diferentes serem tidos como normais em alguns anos, mas ainda não chegamos a esse ponto”.
Mark escreveu sua justificativa em seu próprio site: “Hayley é uma mulher maravilhosa, sexy e incrível. É importante continuar usando modelos mais curvilíneas, pois quero que saibam que minhas roupas vestem todos os tipos de corpos. Há mulheres reais que querem usar roupas de moda como qualquer outra pessoa independentemente do seu tamanho”.
Enquanto isso, na Semana de Moda em Nova York (que acontece nos mesmos dias da Semana de Moda em Londres) a modelo Coco Rocha recorria ao jornal The New York Times alegando ter sido barrada de desfiles por estar acima do peso. O problema teriam sido suas pernas, já que a modelo, que hoje usa tamanho 36, usava 34 no começo da carreira. Ela mede 1,78 e pesa 46kg, não se considera gorda – atribui o aumento no manequim a um simples fato: “Era uma adolescente e agora sou uma mulher, isso é absolutamente normal”. Coco causou comoção e revolta em diversos internautas descrevendo a realidade de outras modelos em seu blog pessoal.
No mesmo mês, a revista Vogue, especializada em moda, colocou no ar um site chamado Vogue Curvy. Feito apenas para modelos e mulheres Pluz Size. O site fala sobre moda, estilo, beleza, entrevistas, celebridades, saúde, dentre outros assuntos do mundo curvilíneo Além de um diferencial, a sessão stories, onde a revista digital busca referências de blogs e sites de mulheres com curvas que já tratavam deste tipo de assunto.
Na mesma semana foram divulgadas as fotos do editorial da revista Elle Francesa, também especializada em moda. Um ensaio de 20 páginas com a modelo Tara Lynn, tamanho 48. A modelo chega a aparecer seminua em algumas fotos.
O editorial veio com justificativa da própria editora chefe, Valérie Toranian:“Como jornalistas de moda, o que nos inspirou foi indagar se poderíamos utilizar modelos acima do peso e falar de moda, só isso. Não queremos desviar a atenção ao fato de que as modelos estão acima do peso. Usamos mulheres realmente gordas e não as que apenas são cheinhas. É muito mais interessante mostrar que as mulheres gordas também podem ser vistas de forma incrivelmente sexy.”
Também na metade de março o blog Love Magazine publicou fotos das modelos que desfilariam para a Louis Vuitton (consagrada marca de bolsas francesa) na Semana de Moda da França– as fotos com as modelos na ordem do desfile acabaram “vazando” na internet. Foram mais de 1800 comentários no blog, os adjetivos mais usados para descrever as modelos foram: anêmicas, cocainômanas, anoréxicas, alienígenas, horrorosas, heroinômanas, ossudas, depressivas e alucinadas. A própria Louis Vuitton teve de intervir para abafar as fortes polêmicas levantadas pelas fotos das meninas sem maquiagem.
Em mais um paralelo de todos esses eventos, durante uma palestra no INTEGRAMODA, que é o maior evento do ramo na Serra Gaúcha, o pesquisador e professor de moda Marco Antônio Hamerski palestrava sobre as macro-tendências mundiais de comportamento. A principal delas era a volta da feminilidade, da sensualidade e das curvas. Esse era um fenômeno mundial, e não apenas de “competição entre magazines”.
Talvez, a citação de Clarice colocada no início do texto, se publicada hoje em um blog qualquer, repercutisse 1800 comentários, igual ao caso da Louis Vuitton. E talvez fossem atribuídos a autora adjetivos como: “alienada” ou “comedora de alface”.

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